Feedback dos cidadãos em Saúde do Adolescente
Um artigo de reflexão
Como aumentar a participação dos cidadãos na melhoria dos serviços públicos em Cabo Verde? Esse foi o desafio que o Accelerator Lab Cabo Verde escolheu enfrentar no seu plano de 100 dias. Neste texto, apresentamos a nossa jornada na busca um sistema de feedback rápido e fácil de usar, que pudesse envolver as partes interessadas relevantes, obter dados e produzir informações relevantes para ajudar o setor público a melhorar seus serviços e políticas.
Sensing (detetando)…
Então, começamos a nossa jornada! O primeiro desafio que enfrentamos foi como restringir o âmbito do nosso projeto. Os serviços públicos em geral eram muito abrangentes, por um lado, e por outro precisávamos determinar o nosso público-alvo. Para isso, iniciámos um processo de consultas internas com os portfólios do escritório comum a fim de ter uma ideia de quais áreas e/ou serviços seriam mais promissores para este nosso primeiro projeto, e de poder utilizar parte de sua experiência e rede para criar um projeto viável para os próximos 100 dias. Também realizámos dois workshops, com parceiros potenciais do setor público, do setor privado e ONGs, para apresentar mais detalhes da metodologia e objetivos do laboratório e ajudar a estabelecer em detalhe as metas do nosso projeto.
Como resultado desse processo, descobrimos que o nosso país está numa transição demográfica, na qual os jovens de 15 a 34 anos representam cerca de 40% da população e que desafios económicos e sociais significativos afetam essa parcela da população, como gravidez indesejadas, doenças sexualmente transmissíveis, violência no namoro, violência de gênero, alcoolismo, depressão, migração e mudanças culturais e tecnológicas, com implicações profundas na educação, emprego e saúde. Também aprendemos que a falta de interesse e envolvimento dos adolescentes com os serviços de saúde podem estar a criar entraves aos serviços em desenvolver novas abordagens para atender e dar resposta às necessidades específicas deste público-alvo.
Mas como poderíamos aprender mais sobre as condições pessoais, sociais e situacionais dos nossos adolescentes? Como poderíamos usar essas informações para ajudar os tomadores de decisão a entender melhor os padrões de comportamento dos adolescentes com relação à saúde e, com base nisso, melhorar as políticas e a prestação de serviços? Pensámos que poderíamos dar uma contribuição valiosa para esse problema.
… Explorando
De seguida, precisávamos identificar e interagir com as partes interessadas relevantes no setor da saúde dos adolescentes. Várias entrevistas e workshops foram realizados. Fomos a centros de saúde, escolas, nos encontrámos com o Diretor Nacional de Saúde, o Diretor Nacional de Educação, os Pontos Focais dos Programas Nacionais de Saúde do Adolescente, Saúde Escolar e Saúde Mental, também falámos com os serviços administrativos em centros de saúde e com a agência de TIC do governo (NOSI) para entender melhor os sistemas de TI de saúde existentes e as possibilidades de integração de um sistema de feedback. Entrevistámos ainda psicólogos, assistentes sociais e professores em duas escolas.
Como resultado desse processo, reunimos muita informação, como formulários de atendimento e questionários em centros de saúde, serviços sociais e serviços de saúde mental, incluindo um caderno de Saúde da Criança e do Adolescente existente nos serviços de saúde. Aprendemos com esse processo que os cuidados básicos ainda são algo com o qual muitos adolescentes estão lutando. As condições socioeconómicas de muitas famílias desafiam a nutrição e a saúde mental de muitos adolescentes. Também reconhecemos que, apesar do progresso significativo na saúde neonatal do país nas últimas décadas, não atingimos o mesmo nível de sucesso na redução da gravidez na adolescência. O boletim estatístico IDSR-III (2018) do INE relatou que 12% das meninas de 15 a 19 anos já tinham tido pelo menos um filho em 2018, e que a proporção dessas meninas com 15 anos quase triplicou desde 2005. Os mecanismos institucionais de acompanhamento entre escolas e sistemas de saúde poderiam ser melhorados para trazer maiores benefícios na identificação, atendimento e acompanhamento de necessidades psicoterapêuticas e situações de deficit nutricional e ajudar a evitar muitos problemas. Além disso, informações fragmentadas e procedimentos não padronizados de recolha e tratamento de dados entre as escolas e serviços de saúde não ajudam no acompanhamento adequado das necessidades de saúde dos adolescentes.
A Solução!
Após esse processo de consulta, a solução prevista pelas partes foi providenciar uma plataforma integrada que pudesse coletar, tratar e rastrear dados de saúde do adolescente e produzir produtos de dados visuais, como relatórios e painéis de controlo (dashboards), para os tomadores de decisão, a fim de aprimorar os seus conhecimentos sobre os padrões de comportamento, situações de deficit e outras necessidades dos adolescentes. Esse sistema devia estar acessível aos profissionais dos centros de saúde e as informações ser recolhidas nos centros de saúde, nas escolas e nas comunidades. O sistema também deveria ser capaz de integrar as informações fornecidas pelos próprios adolescentes diretamente.
Para desenvolver essa solução, um questionário de saúde dos adolescentes (questionário 1) deveria ser elaborado com a ajuda de profissionais de saúde, a fim de mapear as informações necessárias para ajudá-los nas suas atividades, e um mecanismo de feedback desenvolvido para obter os dados e alimentá-lo neste sistema de informação integrado que ajudaria os serviços a responder de maneira mais eficaz às necessidades de saúde dos adolescentes identificadas.
O próximo passo seria desenvolver um MVP e testá-lo em uma determinada área, incluindo em um centro de saúde, numa escola e a comunidade residente.
Desafios Enfrentados e Lições Aprendidas
Definir o problema e encontrar o equilíbrio certo de âmbito, metodologias e as nossas ambições para o projeto foram muito desafiadores. Tivemos de nos adaptar a inúmeras mudanças nas necessidades e requisitos do projeto, rever a nossa declaração de desafio e hipóteses muitas vezes e finalmente acabamos por consolidar nossas questões de aprendizagem (learning questions) para o projeto mais adiante em nossa jornada.
Uma questão importante que tivemos que lidar no projeto foi a questão de ética e proteção dos dados. Para ser valioso para os serviços, um questionário de saúde dos adolescentes foi elaborado a fim de recolher dados que pudessem ajudar a identificar as condições e padrões de comportamento que poderiam estar a aumentar os riscos e vulnerabilidades desse grupo-alvo. Esse questionário incluía perguntas sensíveis e precisava ser ministrado presencialmente por pessoal treinado, colocando questões a nível de proteção de dados, especialmente considerando uma população menor de idade. Isso exigia um processo muito mais complexo do que o inicialmente previsto. Um dossier foi compilado e submetido à comissão de ética em saúde, mas os prazos para tais procedimentos não eram compatíveis com nosso cronograma, e nem o tínhamos planeado.
Em março, a crise da pandemia deflagrou no país e o acesso a serviços de saúde, escolas e até às comunidades, com distanciamento social, não era possível. O estado de emergência foi declarado. Nesse ponto, decidimos realizar um exercício de pequena escala para testar as funcionalidades do sistema que desenvolvemos até ao momento. Um segundo questionário que poderia ser administrado remotamente foi então desenvolvido, mudando o foco de informações sensíveis sobre saúde pessoal para avaliação de feedback anónimo da qualidade dos serviços disponíveis para os adolescentes em centros de saúde e escolas.
Foi realizada uma campanha on-line para envolver os adolescentes em fornecer suas opiniões e sugestões, e os dados recolhidos foram utilizados para testar o canal de feedback criado para os serviços. Concluímos que o envio de SMS é significativamente eficaz para alavancar respostas on-line, se uma campanha de comunicação adequada for definida nos midias tradicionais e nas e redes sociais.
Próximos Passos!
Oportunidades de continuidade deste projeto incluem um exercício em larga escala que pudesse garantir a aquisição dos dados de saúde projetados no questionário 1. Seria extremamente útil para os serviços aceder e sistematizar essas informações do grupo-alvo, especialmente se o sistema puder cruzar com dados de mais fontes, como dos sistemas de informação da saúde e das escolas. As condições de amostragem devem ser garantidas. Um censo de adolescentes que recorrem aos centros de saúde durante um determinado período seria uma boa opção. Os procedimentos éticos e de proteção de dados devem ser planeados em detalhe.
Uma segunda linha de trabalho poderia ser promover uma nova política de gestão de dados de saúde, incluindo dados centralizados e descentralizados, interfaces API para integração, gestão de perfil de utilizadores e plano de capacitação em gestão de dados para profissionais de saúde e educação. A integração de dados de várias fontes ainda é um problema significativo, desafiando a monitorização e a avaliação de casos e padrões de comportamento. Poderiam ser criados mecanismos institucionais de acompanhamento entre escolas e o sistema de saúde para trazer maiores benefícios na identificação, atendimento e acompanhamento de necessidades psicoterapêuticas e situações de deficit nutricional existentes.
Por fim, produtos complementares, como um canal de comunicação permanente com os adolescentes ou um portal on-line, podem ser um bom caminho para criar maneiras novas e inovadoras para os serviços de saúde se envolverem com adolescentes e criar um canal de relacionamento para conversar e esclarecer dúvidas, melhorando a parte de prevenção da resposta.
Escrito por: Vladimir Fonseca, Head of Experimentation, Accelerator Lab Cabo Verde
Para a versão inglesa/To read the english version: