FÓRUM INTERNACIONAL JUSTIÇA E CIDADANIA
Discurso Coordenador Residente a.i do Sistema das Nações Unidas, David Matern
Senhora Ministra da Justiça, Excelência
Senhora Ministra da Justiça e dos Direitos Humanos da Guiné-Bissau, Excelência
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional, Excelência
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Excelência
Senhores Deputados da Assembleia Nacional, Excelências
Senhor Procurador Geral da República, Excelência
Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, Excelência
Senhor Provedor da Justiça, Excelência
Senhor Venerando Juiz do Tribunal Constitucional, Excelência
Senhor Diretor Nacional da Polícia Judiciária, Excelência
Senhores Corpo Diplomático, Excelências
Senhora Presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos e Cidadania, Excelência
Senhores Juízes Conselheiros, do Supremo Tribunal de Justiça, Excelências
Senhores Juízes Conselheiros, do Tribunal de Contas, Excelências
Senhor Juiz do Tribunal Fiscal e Aduaneiro de Sotavento, Excelência
Senhores Juízes do Direito, Excelências
Senhores Procuradores da República, Excelências
Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, Excelência
Senhor Presidente da Unidade de Informação Financeira, Excelência
Senhora Presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, Excelência
Senhor Presidente da Agência Reguladora do Ensino Superior, Excelência
Senhores Diretores-Gerais do Ministério da Justiça, Excelências
Senhores Consultores Jurídicos do Ministério da Justiça
Senhores Conferencistas Nacionais e Internacional, Excelências
Senhores Conservadores Notários, Excelências
Senhores Representantes das Instituições Públicas e Privadas, Excelências
Senhores Representantes da Sociedade Civil, Excelências
Muito bom dia a todos e todas!
Estou muito grato pelo convite para participar e dirigir-me na minha qualidade de Coordenador Residente das Nações Unidas ad interim a vós hoje neste Fórum Internacional no âmbito da Primeira Jornada da Justiça 2024.
Gostaria de começar por partilhar a visão das Nações Unidas sobre a importância crucial da Justiça e do Estado de Direito para a paz, segurança e o desenvolvimento sustentável dos nossos países e do mundo.
A justiça, em todas as suas formas, é vital para a paz, para um contrato social justo e duradouro e para o desenvolvimento sustentável.
Esta relação interligada reflete-se na promessa do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16, que compromete os Estados a “promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas a todos os níveis”.
Atualmente, o ODS16 - como outros ODS - está difícil de ser alcançado se não agirmos rapidamente. Embora haja avanços importantes, estes não têm sido consistentes e são específicos de cada país. Globalmente, a justiça precisa ser acessível e estar disponível para todos. Muitas instituições do estado de direito e da justiça parecem enfrentar uma crise de capacidade e de confiança pública. Milhões de pessoas não têm acesso efetivo à justiça e vivem em condições de profunda injustiça. Em vários países, a lei ainda discrimina ativamente as mulheres, que, na realidade, gozam apenas de três quartos dos direitos legais dos homens[1].
Permitam-me que destaque dois números: primeiro, do relatório da Task Force para a Justiça[2]: estima-se que 4,5 mil milhões de pessoas - nada menos do que 60% das pessoas deste planeta - estão excluídas das proteções e oportunidades sociais, económicas e políticas que a lei deveria proporcionar. Não têm posse de terra, documentos de residência ou documentação de habitação; ou estão empregadas sem contrato no sector informal. Consequentemente, são privados de acesso adequado a cuidados de saúde, educação, empréstimos bancários e tipos específicos de emprego. Podem ter um acesso limitado às instituições que deveriam representar, expressar, proteger e fazer cumprir os direitos - como os processos políticos, a administração pública, a polícia e os tribunais. Os mais vulneráveis são os mais presos em ciclos perniciosos de privação de poder e com limitado acesso à justiça.
Em segundo lugar, o Grupo de Alto Nível da Justiça para as Mulheres[3] sublinhou que as mulheres e as crianças enfrentam os maiores obstáculos no acesso à justiça. Por exemplo, constatou que, em 2017, mais de mil milhões de mulheres não tinham proteção contra a violência sexual por parte de um parceiro íntimo, enquanto cerca de 1,5 mil milhões não tinham proteção legal contra o assédio sexual no trabalho.
As desigualdades e a desinformação, bem como as medidas insuficientes para defender a independência, a imparcialidade e a eficácia das instituições jurídicas, estão a aprofundar uma crise de confiança do público na capacidade dos seus governos para satisfazerem as suas necessidades e direitos.
Quando as pessoas não acreditam na legitimidade e na eficácia das instituições públicas e na sua capacidade de resolver os conflitos, as queixas crescem e agravam-se. Os litígios não podem ser devidamente resolvidos. As tensões transformam-se em violência.
Devido a este cenário de ODS fora da rota, não apenas o ODS 16, mas a maioria deles, o Secretário-Geral, mandatado pelos Estados membros da ONU, lançou no 2021 a “Nossa Agenda Comum”, uma agenda de ação destinada a acelerar a implementação dos acordos existentes, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Uma das 12 recomendações da Nossa Agenda Comum é “um contrato social renovado ancorado nos direitos humanos”, identificando três fundamentos para um contrato social renovado e adequado ao século XXI: (a) confiança; (b) inclusão, proteção e participação; e (c) medir e valorizar o que é importante para as pessoas e para o planeta. A justiça é a pedra angular da confiança. Como bem sabeis, a justiça é uma dimensão essencial do contrato social. Em todas as partes do mundo, a desconfiança é alimentada pela experiência das pessoas com a desigualdade e a corrupção, e pela sua percepção de que o Estado e as suas instituições as tratam de forma injusta. Quando a justiça é fraca, não há confiança.
O Secretário-Geral das Nações Unidas lançou também no ano passado, em 2023, a nova Visão do Estado de Direito das Nações Unidas, reafirmando esta relação simbiótica entre a justiça e os direitos humanos. A Visão reconhece não só que o Estado de direito e os direitos humanos se reforçam mutuamente - mas também que, para que o Estado de direito sirva as pessoas e crie confiança, deve estar plenamente alinhado com os direitos humanos.
Para que o Estado de direito possa desempenhar o seu papel na reconstrução da confiança, as instituições públicas têm de ser mais reativas, justas e eficazes.
Responsivas, no sentido em que as instituições públicas têm de se centrar nas pessoas e nos seus direitos, compreendendo as necessidades de justiça das pessoas e desenvolvendo soluções adequadas, incluindo-as e prestando-lhes contas.
Justas, na medida em que as instituições públicas não devem discriminar e devem estar isentas de corrupção ou de influências indevidas.
Eficaz, na medida em que as instituições públicas têm de ser capazes de fazer face aos choques e desafios atuais e prestar os serviços - serviços jurídicos, mas também toda a gama de direitos humanos de que as pessoas necessitam.
O que eu gostaria de salientar aqui é que, tal como o Estado de direito é uma componente central da promoção e proteção eficazes dos direitos humanos, os direitos humanos estão no coração do Estado de direito e da criação de confiança nas instituições públicas.
A justiça está interligada com todos os desafios que enfrentamos coletivamente enquanto humanidade. Por exemplo, o ambiente: O nosso trabalho para proteger o ambiente através do Estado de direito está a expandir-se significativamente. O reconhecimento pela Assembleia Geral do direito a um ambiente saudável; o aumento do recurso a litígios para responsabilizar os poluidores está a ter lugar em muitos países; oportunidades crescentes para a defesa do ambiente, a responsabilização e a prevenção ligadas ao Estado de direito.
Temos de voltar a colocar o ODS 16 no bom caminho - nomeadamente através de um financiamento adequado, reportando sobre os seus indicadores e da atribuição de prioridade à execução dos seus compromissos.
A nova visão do Secretário Geral da ONU para o Estado de direito assenta na convicção de que o Estado de direito é a base da paz, apela ao respeito incondicional por todos os direitos humanos, está profundamente interligado com o desenvolvimento, está centrado nas pessoas, promove a igualdade de género e é a base de um sistema internacional que assenta na responsabilidade partilhada e na cooperação.
E ainda mais: no Pacto para o Futuro adotado pelos Estados-Membros no mês passado, os países se comprometem a implementar um conjunto de ações para melhorar a justiça, que inclui a reafirmação de:
- proporcionar acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas a todos os níveis e defender os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
- cumprir a nossa obrigação de respeitar as decisões e defender o mandato do Tribunal Internacional de Justiça em todos os processos em que o nosso Estado seja parte.
- Um dos anexos do Pacto para o Futuro é a declaração sobre as Gerações Futuras, em que os Estados-Membros também se comprometem a, entre outras coisas, promover a justiça intergeracional, registando a importância da justiça climática,
O Sistema das Nações Unidas em Cabo Verde reforça seu intuito de continuar trabalhando com a Justiça e todo o Sistema de Garantia de Direitos, assim como o Governo, as instituições públicas, a sociedade civil, para assegurar o acesso universal à Justiça.
Para concluir, reitero que o acesso à justiça é um direito humano e, como tal, devemos garantir o acesso à justiça para todos, especialmente para os mais vulneráveis, para que ninguém fique atrás.
Muito obrigado!
[1]Our Common Agenda, page 24.