"Antes havia peixe e eu não tinha arca, agora tenho arca, mas não há peixe no mar”
08 março 2022
A história de Aldina Lopes Cabral espelha o impacto da crise climática nas mulheres e nas oportunidades económicas e igualdade de género.
A ONU Mulheres alerta para o facto de mulheres e meninas sofrerem os maiores impactos da crise climática, fator que amplia as desigualdades de género existentes e coloca em risco a vida e os meios de subsistência das mulheres. Diz ainda que as mulheres dependem mais dos recursos naturais, mas são as que menos acesso aos mesmos têm e muitas vezes possuem uma responsabilidade desproporcional de garantir alimentos, água e combustível.
A história de Aldina Maria Lopes Cabral espelha bem a condição de muitas mulheres fortemente impactadas pelas mudanças climáticas. Peixeira de profissão, ela recorda-nos o tempo em que em Porto Mosquito abundavam peixes ao ponto dos carros irem carregados para a Cidade Velha e de la para a cidade da Praia.
Odete, como é conhecida por todos, veio receber-nos à entrada da sua casa, na pequena e pacata aldeia piscatória de Porto Mosquito, interior do município da Ribeira Grande de Santiago. O seu corpo franzino contrasta com a vitalidade evidenciada ao longo da nossa conversa. Mãe de seis filhos, um deles falecido no mar, e uns tantos netos, Odete foi uma das beneficiárias do projeto Banco Social, tendo recebido em, 2021, uma arca para guardar e conservar o pescado.
Foi uma grande ajuda e fiquei muito agradecida pois antes tinha que guardar o peixe na arca de uma colega e pagar-lhe uma quantia pelo aluguer do espaço na arca”.
As lides de Odete na pesca começaram bem cedo, por volta dos quinze anos.
“Quando comecei a vender peixe nem os carros chegavam à Porto Mosquito. O bote chegava e o atum era cortado em pedaços e colocado numa caixa que pesava entre 10 e 15 quilos que depois colocava na cabeça para ir vender, juntamente com as minhas amigas Iva Pereira, Mana Bossi e Ioia. Não havia alternativa, eu não fui a escola, não sabia escrever nem ler”.
Houve tempos em que Odete também ia ao mar, mas o peixe “runho” fê-la desistir. “No dia em que vi o peixe fiquei com medo e nunca mais fui. Comecei a ir a Praia vender. Colocava a minha banheira à cabeça e vendia em vários bairros, Achadinha, Santaninha, Calabaceira, Safende”. Odete continua a vender o peixe pelos bairros da cidade da Praia, mas hoje com mais cautela. Antes, não sentia medo, hoje, os tempos são outros, o medo de ser assaltada impede-a de ir a mais lugares.
Não há peixe no mar
Odete recorda com alguma tristeza o tempo em que em Porto Mosquito abundava peixe. Para exemplificar o que diz vai buscar um prato, onde repousa um minúsculo exemplar de um peixe, segundo ela, tem agora um tamanho muto diferente.
A vida não está fácil para essa mulher, que tem em casa treze bocas, com ela catorze, e contas para pagar. Se houvesse peixe em abundância as coisas seriam diferentes.
“Não há peixe. Se houvesse, todos os carros iam carregados de peixeiras, pois aqui só vivem peixeiras. Agora, para conseguir peixe, vou a Praia. A Nuna guarda-me peixe que pago quando térmico de vendê-lo. Quando tiro o dinheiro dela, mais o dinheiro do transporte pouco sobra para comprar os bens básicos. Ainda a luz para pagar, é muito complicado”.
Odete vai ao canto da casa e abre a arca frigorifica, doada pelo Banco Social da Ribeira Grande de Santiago.
“ Antes havia peixe e eu não tinha arca, agora tenho arca, mas não há peixe no mar. No peixe está o meu sustento e o da minha família. É com o peixe que comemos. É com o peixe que pago as contas. Eu só desejo que o tempo mude e que os peixes voltem ao mar”.
Sem previdência social, diz que um dos maiores desejos é completar sessenta anos para passar a beneficiar de uma pensão social. O outro, o maior de todos, aquele que “a deixará descansada” é que a sua kodé, Josiana, possa sair dali para continuar os estudos numa instituição de ensino superior.
“A coisa mais triste que existe é ver um jovem com vontade de ter um futuro, mas não conseguir”.
O Programa Banco Social tem como objetivo empoderar jovens e mulheres chefes de família, através da criação de condições para que possam ter acesso ao emprego ou auto emprego sustentáveis, e ao rendimento e, desta forma, permitir a inclusão socio económica dos munícipes de Ribeira Grade de Santiago. O programa apoia as atividades geradoras de rendimento através de atribuição de kits aos beneficiários.
O projeto é uma iniciativa do Fundo de Descentralização, financiado pelo Grão-Ducado do Luxemburgo, no montante de 4, 1 milhões de euros, e conta com o apoio técnico e gestão do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em estreita articulação com o Governo de Cabo Verde, através da Direção Nacional do Planeamento e tem como o objetivo lutar contra a pobreza e as disparidades sociais e regionais e apoiar o país no processo de descentralização e desenvolvimento local.