Discurso de Sua Excelência, o Presidente da República de Cabo Verde, Dr. José Maria Neves, por ocasião da sessão de abertura da Conferência Económica Africana 2021
Conferência Económica Africana - Sessão de abertura
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores
Permitam-me, antes de mais, endereçar as minhas mais vivas saudações aos ilustres participantes desta 17ª edição da Conferência Económica Africana, dando as boas vindas a esta linda Ilha do Sal, nestes “Dez padacin d´txon ta boia na mar / Na mei kamin Norte pa Sul”, Cabo Verde, como escreveu o poeta. Que se sintam em casa, neste meu país de sol e de liberdade.
Agradeço ao Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), à Comissão Económica das Nações Unidas (CEA) e ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), coorganizadores desta importante Conferência, por terem escolhido Cabo Verde para albergar tão relevante evento, cuja sessão de abertura muito me honra presidir.
Agradeço, igualmente, as importantes mensagens que os seus respetivos representantes nos transmitiram nas suas intervenções.
O tema escolhido para esta Conferência anual sobre o estado da economia em África, “Financiar o Desenvolvimento da África Pós-COVID-19”, é por demais atual, num momento em que a humanidade atravessa a maior das ameaças no decurso do último século, com uma crise global sem precedentes, provocada pela pandemia da COVID-19, com elevados custos sociais e económicos para todas as nações, revertendo progressos no desenvolvimento humano e ampliando desigualdades entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, particularmente, os mais vulneráveis de entre os países em desenvolvimento, como os países africanos.
Com efeito, desde março de 2020, tal como acontece em outros continentes, África tem sido negativamente afetada pelas múltiplas consequências da pandemia da COVID-19, em todas as áreas de esforço humano.
E é num contexto de agravamento da pressão sobre o financiamento do desenvolvimento de África, seja pela erosão das finanças públicas, seja pela insustentabilidade da dívida e pela retração do investimento direto estrangeiro, que os países africanos precisam continuar a garantir que os esforços envidados no combate a esta crise, vão para além da resposta aos desafios imediatos em matéria de cuidados de saúde causados pela pandemia da COVID-19, para abordar igualmente, de forma abrangente, os impactos socioeconómicos mais vastos da pandemia, que incluem os efeitos das calamidades naturais e das alterações climáticas, pobreza e fome endémicas, desemprego, desigualdades sociais, falta de água potável, abrigo e saneamento adequados, bairros de lata urbanos e assentamentos informais, bem como a insegurança alimentar.
Já é facto que o continente africano, dificilmente, conseguirá suprir a enorme lacuna de financiamento para concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS - no horizonte 2030, estimada em 200 mil milhões de USD por ano, e a Agenda 2063 da União Africana, somente com as receitas estatais e os níveis atuais da ajuda ao desenvolvimento.
É, pois, urgente, repensar o modelo de financiamento do desenvolvimento para África, orientado para a concretização dos ODS e das aspirações da Agenda 2063.
Se por um lado, a situação apela ao aprofundamento da expansão das bases fiscais a fim de aumentar a capacidade para financiar políticas públicas com recursos próprios, por outro, implica a modernização dos mecanismos de financiamento da economia pelo sector privado nacional e internacional, bem como uma forte luta contra os fluxos financeiros ilícitos.
Mas África não poderá, sozinha, ter meios suficientes para financiar as medidas de resposta e recuperação à crise económica, pandémica e climática. Há necessidade de se assegurar financiamento complementar através de outras formas e fontes de financiamento externo, nomeadamente: o Investimento Direto Estrangeiro, a cooperação internacional, a assistência financeira externa apropriada, e o perdão ou reconversão da dívida.
Neste quadro, entendemos que o período da moratória no pagamento da dívida precisa ser alargado. Por outro lado, urge uma renegociação da dívida e em muitos casos, o perdão parcial por parte dos principais credores, em troca de compromissos firmes dos países em fazer investimentos sustentáveis nos programas sociais, de capacitação do capital humano, de educação e de saúde, mas também em programas de infraestruturação, o que melhoraria grandemente a qualidade de vida das populações, trazendo espaço para mais emprego, mais rendimentos, mais saúde, mais educação, menos pobreza e menos desigualdades.
Outras opções de financiamento seriam, por exemplo, a troca de dívida por desenvolvimento, a negociação de swaps da dívida com alguns credores bem identificados e que constituem parceiros estratégicos dos nossos diferentes países, a renegociação da dívida com os principais parceiros bilaterais e multilaterais, envolvendo o sector privado.
Para além do mais, um acesso justo e amplo às vacinas contra a COVID-19, que sejam eficazes e seguras é, igualmente, fundamental para salvar vidas e fortalecer a recuperação económica em África, permitindo, assim, o levantamento de medidas de contenção, impulsionando o consumo e o investimento.
O choque da COVID-19 poderá, por outro lado, constituir-se numa oportunidade de mudança para África.
Aliás, vários relatórios têm destacado o baixo desenvolvimento de base, vulnerabilidades climáticas preexistentes, um limitado acesso à energia e uma elevada dependência de sectores sensíveis ao clima como grandes desafios, mas também como oportunidades para transformar a economia e criar empregos.
Aqui e acolá, registam-se tendências positivas, no sentido em que, alguns países africanos aproveitaram a oportunidade da crise para promover reformas estruturais e macroeconómicas, difíceis, mas necessárias.
Outros têm aproveitado para introduzir medidas de reforma no sentido de uma transição sustentável e resiliente para economias com baixas emissões de carbono que podem proporcionar benefícios de longo prazo, sob a forma da redução dos riscos ambientais, assim como novas aberturas para o desenvolvimento económico.
Por outro lado, julgamos que a operacionalização da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) é uma excelente oportunidade de reforço e consolidação da integração continental, fator relevante para ajudar a garantir a recuperação das economias africanas, após a pandemia da Covid-19, na medida em que irá impulsionar o comércio intra-africano, apoiar a facilitação do comércio e realizar o mercado potencial de 1,2 mil milhões de pessoas.
Do mesmo passo, a ZCLCA constitui uma oportunidade para o reforço do setor privado na liderança da recuperação económica do continente e é importante para manter as atividades económicas, manter os bens e serviços em movimento e proteger os empregos e propiciar investimento regional e internacional no continente, em todos os setores, designadamente no da energia, dos transportes e da logística, e da tecnologia digital.
Dados disponíveis indicam que vários dos nossos países em África projetam uma recuperação económica em 2022, ainda que lenta. Contudo, as principais ameaças a estas perspetivas otimistas provêm de riscos fiscais e da possibilidade de uma nova vaga de infeções por COVID-19.
Daí que o combate à pandemia de COVID-19, para além de ser interno de cada país, é ao mesmo tempo, um combate global, que exige soluções colaborativas globais, pois que todos ganham, se os países menos desenvolvidos tiverem as condições necessárias para superar esta grave crise sanitária, económica e social e alavancarem o seu desenvolvimento sustentável, o que contribuirá, grandemente, para a recuperação económica mundial.
Minhas Senhoras e meus senhores,
Não poderei, nesta oportunidade, deixar de abordar o caso do meu país, que pela sua condição de Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento – SIDS – confrontado com vulnerabilidades internas e externas, natureza arquipelágica, mercado reduzido, catástrofes e fortes impactos das mudanças climáticas, dependente do sector do turismo e com secas recorrentes, encontra-se entre os países mais afetados pela crise pandémica da COVID 19, comprometendo anos de progresso.
Em Cabo Verde, o impacto da COVID fez-se sentir, igualmente, num processo de múltiplas transições: demográfica, económica, energética, nutricional, epidemiológica, entre outras, tendo igualmente a crise pandémica exacerbado o impacto de outras crises globais, quais sejam a climática, energética, e do transporte e comércio global.
Mais, sem recursos domésticos, como uma boa poupança local e um grande mercado financeiro nacional, que serviriam de alavanca ao seu desenvolvimento, e sem uma base tributária alargada, o que melhoraria significativamente a arrecadação das receitas internas, Cabo Verde não tem capacidade suficiente para, sozinha, injetar os níveis de recursos necessários para uma resposta política vigorosa à COVID-19.
Estes constrangimentos estruturais, estas múltiplas transições e os impactos sobrepostos de múltiplos choques exógenos materializam riscos profundos para o futuro de Cabo Verde e demandam soluções urgentes para construir resiliência e cumprir o seu Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável no horizonte 2030.
Estamos cientes que estas soluções devem ser financiadas, primeiramente com recursos endógenos, mas também no âmbito de parcerias sólidas e eficazes, envolvendo atores nacionais e internacionais, públicos e privados. Por isso, numa estratégia de financiamento mais ampla, a reestruturação da dívida é crucial, para criar espaço fiscal no curto e médio prazos.
Nesse âmbito, e tendo em vista a consolidação de novos financiamentos para a recuperação e construção de resiliência, bem como de parcerias para investir no desenvolvimento sustentável do país, Cabo Verde, enquanto um pequeno estado insular em desenvolvimento, advoga, por um lado, pela legitimação internacional e urgência de um tratamento diferenciado em matéria de acesso ao financiamento em condições concessionais, bem como de facilitação do comércio e de alívio da dívida externa.
Por outro, defende uma abordagem coordenada e com critérios harmonizados para as três dimensões do desenvolvimento sustentável – económico, ambiental e social - estribado num Índice de Vulnerabilidade Multidimensional – MVI - como critério de acesso ao financiamento dos ODS e que atenda às especificidades das pequenas economias insulares, mais vulneráveis às mudanças climáticas e catástrofes naturais.
Especificamente sobre a questão da dívida pública, é nossa convicção que o primeiro passo para a sua reestruturação passará pela extensão da moratória sobre o serviço da dívida, até pelo menos 2022. O segundo passo passaria por explorar, junto dos principais credores, as possibilidades de trocar parte da dívida por investimento na transformação económica, na transição energética e na adaptação às mudanças climáticas.
Por exemplo, em Cabo Verde, a moratória aos pagamentos da dívida pública atribuída pelo G20 e Banco Mundial e que terminará no final deste ano 2021, permitiu ao país canalizar os fundos poupados para Programas de apoio socioeconómicos indispensáveis na sua luta contra os efeitos da COVID19 com impacto positivo.
Neste contexto, Cabo Verde defende, ainda, que a resposta da comunidade internacional através do financiamento, alívio da dívida e de outras formas e recursos, não pode e nem deve ser um problema de elegibilidade com base no PIB per capita, mas sim, uma resposta solidária às necessidades reais, e que faça justiça ao princípio estruturante da responsabilidade comum, mas diferenciada, sem deixar ninguém para trás!
Minhas Senhoras e meus senhores,
Caros Participantes,
Cabo Verde precisa, todos precisamos, mais do que nunca, de construir alianças e parcerias estratégicas, para beneficiar de transferências de tecnologia e de investimento, de todos os continentes e também e, sobretudo, intra continente africano.
Estamos em condições de construir estas parcerias e de conjugar investimentos de diferentes fontes e índoles, considerando as potencialidades enormes ligadas ao oceano e a economia azul, incluindo o turismo e as energias renováveis.
Juntos, temos de continuar a investir no nosso capital humano e natural, na construção da nossa resiliência face a choques económicos e climáticos para os quais não contribuímos, mas que tem mais impacto aqui em África do que em qualquer outra parte do mundo.
Neste particular, gostaria de sublinhar a importância de que se reveste o reforço da cooperação sul-sul e da cooperação tripartida, no esforço coletivo internacional na mitigação dos efeitos económicos, sanitários e sociais desta crise pandémica, para uma melhor recuperação, em todos os planos, dos países em desenvolvimento, mormente os africanos.
A cooperação multilateral é indispensável para garantir que todos os países tenham, a curto prazo, acesso igualitário às vacinas e que as economias em dificuldades financeiras tenham acesso adequado à liquidez internacional. A ajuda ao desenvolvimento é mais necessária do que nunca, pelo que exortamos os doadores e as instituições internacionais a darem um passo à frente. Nesse âmbito congratulamos com os apelos das instituições financeiras internacionais, nomeadamente do Comité Monetário e Financeiro Internacional (IMFC) para uma grande emissão de Direitos de Saque Especiais (SDRs) e uma realocação de recursos para países necessitados.
Precisamos, urgentemente, fortalecer a arquitetura da dívida internacional para acabar com os ciclos mortais de ondas de dívida, crises globais de dívida e décadas perdidas. Precisamos de uma abordagem inclusiva que englobe credores privados e lide com as fraquezas e lacunas existentes de longa data.
O choque da COVID-19 é, sem dúvida, para África, uma oportunidade de mudança, uma oportunidade de colocar as suas estratégias de financiamento num caminho mais sustentável. Oportunidade também para pensarmos a África a mais longo prazo. Não podemos contentar-nos com soluções reativas de curto prazo e que muitas vezes criam mais problemas no futuro. A reforma e modernização do Estado, a criação de instituições politicas e económicas inclusivas, o investimento na ciência e na inovação, a melhoria substancial na formação e implementação de políticas públicas, que sirvam os propósitos de uma África unida, forte, moderna, próspera, justa e inclusiva e com oportunidades partilhadas por todos são estratégicos para o futuro do continente.
Talvez ainda tenhamos de conviver com a COVID 19 por alguns anos. Temos de agir no sentido de fabricarmos a nossa própria vacina e medicamentos para fazermos face a esta e a outras pandemias que hão de vir. Temos de encontrar mecanismos inovadores de financiamento e gestão do desenvolvimento sustentável, sob pena de desiludirmos os jovens africanos, cuja esperança numa África melhor é do tamanho do mundo.
Com isso em mente, desejo a todos debates frutíferos, que giram ideias de soluções inovadoras e de parcerias para construir e financiar, de forma sustentável, o nosso futuro em África.
Declaro aberta a 17ª edição da Conferência Económica Africana.
Muito obrigado!