De que forma as Nações Unidas estão a apoiar Cabo Verde a enfrentar a crise da COVID-19 e a preparar a fase de recuperação
O impacto da COVID-19 em Cabo Verde e as respostas das Nações Unidas, a pós-crise e o futuro e as respostas das Nações Unidas
O impacto
A crise da COVID-19 irá ter um terrível impacto socioeconómico em cada um dos países do nosso planeta, mas Cabo Verde estará entre os mais afetados. Este impacto levou a uma repentina e considerável redução na procura dos dois principais sectores para a produção económica e para o emprego de Cabo Verde: o turismo (com 23% do PIB) e os transportes (com 10% do PIB). O PIB deveria apresentar uma redução de 5,5% em 2020[1], e mais de 12,000 postos de trabalho já foram suspendidos, a maioria destes no sector do turismo.
Apesar da reduzida exportação de bens, tanto o comércio local como os serviços, bem como o consumo em geral, são extremamente dependentes da importação. As cadeias de valor local e os serviços serão afetados pela redução na produção e pela exportação de outros países. O consumo doméstico irá também apresentar um abrandamento devido à menor disponibilidade de produtos importados e ao confinamento. A ajuda e o investimento externo irão reduzir drasticamente, uma vez que a UE, os EUA e a China – os principais parceiros de Cabo Verde – foram também das economias mais afetadas por esta crise até ao momento. As remessas, que contabilizam 12% do PIB, vão também ser muito afetadas por esta situação, com exceção de uma queda de 23.1% em termos regionais[2].
A interrupção apresentada na cadeia de abastecimento alimentar, associada a uma redução na produção local, causada por uma seca severa pelo terceiro ano consecutivo (uma das mais severas desde os anos 40), poderá vir a provocar graves implicações nos salários das populações mais vulneráveis, incluindo os trabalhadores do sector informal, bem como, pôr em risco a segurança alimentar, a nutrição e os meios de subsistência. Finalmente, a redução na cobrança fiscal e nas contribuições para a segurança social irão estimular a contração de gastos, o que poderá reduzir o crescimento da economia. Além disso, acrescente-se o impacto desta crise em todos os sectores da economia formal, no que refere aos trabalhadores, nomeadamente, os do sexo feminino, do sector informal.
Enquanto Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento (PEDS), Cabo Verde irá, também, enfrentar restrições estruturais, tais como a escassez de energia e de água, a dispersão territorial, a conexão limitada de internet, e um relativo isolamento; vulnerabilidades face às alterações climáticas, às catástrofes naturais e ao choque da economia externa. Esta condição enquanto PEDS, faz com que Cabo Verde seja, também, mais dependente das tendências e das crises globais, e menos resiliente e apto a enfrentar sozinho o impacto dos desafios globais ao nível nacional, do que outros países, já que apresenta as seguintes características: um espaço fiscal limitado, um reduzido mercado doméstico, uma fraca indústria têxtil, um reduzido contexto financeiro, etc. O peso do turismo na economia de Cabo Verde aumenta ainda mais a esta sua dependência.
Finalmente, desde há três anos que o país tem vindo a ser alvo de seca, o que já por si, coloca Cabo Verde numa situação de vulnerabilidade, prévia ao surto da COVID-19. Apesar de todos estes desafios, Cabo Verde, enquanto país de rendimento médio, recebe poucas ajudas públicas ao desenvolvimento (Official Development Aid) e outros financiamentos públicos internacionais.
Como resultado de todos estas condições e dinâmicas específicas, a Standard & Poors classificou, recentemente num relatório, Cabo Verde entre os países que mais serão afetados pela COVID-19, a nível mundial.
Resposta
No surto desta crise, Cabo Ver estava entre os 46 países (de 214) a adotar previamente medidas em resposta à crise da COVID-19. Com base na Concertação com os Parceiros Sociais (Social Concertation Council), o Governo nacional anunciou medidas nos sectores da saúde, da proteção social, do emprego, da segurança alimentar, dos negócios e do salário das famílias. O estímulo do pacote macroeconómico inclui a adoção temporária de isenção fiscal (moratória do IVA e impostos corporativos), o pagamento das contas do Estado e a prioritização da retenção do IVA, 4 créditos e linhas de garantia (4 milhões de dólares a fim de garantir a liquidez das grandes empresas e EMSs para superar esta lacuna) e 600,000 dólares para despesa pública imediata. Relativamente à retenção de emprego, implementou-se duas medidas: a introdução de um regime simplificado de lay-off (menos dias para comunicar às autoridades laborais e aos trabalhadores; apoiar a manutenção da remuneração paga até 70% - 35% paga pelo INPS, 35% pelo empregador; isenção de pagamento de contribuições para a segurança social até 3 meses). O conjunto de medidas para a segurança social focou-se na vertente contributiva da criação de um subsídio extraordinário para o isolamento profilático de 14 dias, pago até 70% da referente remuneração/salário; uma medida extraordinária que visa o subsídio de desemprego – redução do período de garantia de remoção de algumas formalidades no processo de requisição do subsídio. Carácter não-contributivo: 1. Extensão/intensificação do Rendimento Social de Inclusão (RSI), através da criação do RSI de Emergência (RSI/E) para incluir 2.788 lares, o que representa um total de 8.000 lares a beneficiar destas 2 medidas; 2) Estabelecimento do Rendimento Solidário de cerca de 100 euros para 300,00 trabalhadores informais e trabalhadores que beneficiam do regime REMPE; 3) assistência alimentar (cestas de comida básica) para 22,500 lares, das quais 30,000 são crianças; 4) Fortalecimento de equipas locais, a fim de garantir serviços de apoio ao domicílio para idosos em isolamento, bem como, para pessoas doentes ou com mobilidade reduzida. Todas estas medidas foram publicadas no jornal nacional, o que lhes proporciona uma abordagem normativa e o reconhecimento da prioridade nas áreas de trabalho relativas à mitigação do impacto da COVID-19.
O apoio das Nações Unidas
As Nações Unidas apoiaram a conceção e a implementação destas medidas, no enquadramento da Plataforma de Coordenação de Resposta e de Recuperação (Response and Recovery Coordination Platform), constituída pelo Ministério das Finanças, pelo Ministério da Saúde e da Segurança Social, pelo Ministério da Família e da Inclusão Social e pelo Ministério da Educação, em articulação com os ministérios de execução (da Agricultura e do Ambiente, do Mar, da Economia, da Indústria,etc), bem como com as OSCs e os representantes do sector privado. Esta equipa de coordenação reúne-se duas vezes por semana, através de uma plataforma online e tem vindo a atualizar as ferramentas criadas para atualizar e partilhar, amplamente, as informações sobre as medidas, e as Nações Unidas asseguram a articulação com uma equipa de coordenação de parceiros internacionais. A plataforma tem como objetivos: 1) coordenação da mobilização financeira para apoiar as medidas do Governo; 2) apoio direto aos sistemas públicos (equipamentos, soluções tecnológicas, mecanismos de implementação, etc.); 3) assistência técnica à implementação das medidas, para reforçar o seu âmbito e qualidade; e 4) preparação da recuperação socioeconómica, incluindo a transição para uma economia mais resiliente e a conceção de um novo caminho para os ODS.
Além desta equipa de coordenação, que trabalha diariamente para preparar e partilhar informação sobre a resposta a esta crise, para mobilizar novos fundos, as Nações Unidas estão a organizar, em conjunto com o Governo, uma plataforma de coordenação de parceiros internacionais, a qual utiliza ferramentas comuns e se reúne duas vezes por mês, a fim de partilhar informação e de harmonizar o seu apoio com vista à resposta e à recuperação do país.
O primeiro sector que o sistema das Nações Unidas em Cabo Verde apoiou, até antes do surto desta crise no país, foi o da Saúde. As Nações Unidas apoiaram o reforço do Sistema de Saúde e as capacidades do Ministério da Saúde e da Segurança Social, por forma a responder à pandemia. A Organização Mundial de Saúde esteve na vanguarda deste apoio, através do fornecimento de equipamento médico e de assistência técnica aos profissionais de saúde, aos hospitais, aos laboratórios, e através do pagamento do salário a profissionais de saúde complementares. A UNICEF e o UNFPA forneceram testes e apoiaram a comunicação com as comunidades e com a população em geral. A ONUDC equipou as autoridades policiais com equipamento de proteção. Finalmente, a ONUDI está a reformular o programa regional para o desenvolvimento das indústrias nacionais, com vista ao apoio direto das pequenas indústrias no que refere à conceção, produção e comercialização de medicamentos, de produtos farmacêuticos, e outro tipo de material necessário para impedir a propagação desta pandemia. Tal representa tanto uma garantia contra a escassez e contra o impulso da economia nacional de se apoderar das oportunidades que a tornam mais resiliente.
Assim que o impacto social da COVID-19 foi previsto, paralelamente, com o apoio do Sistema de Saúde, as Nações Unidas acompanharam as medidas tomadas pelo Governo para reforçar a Proteção Social, com vista à proteção da população mais vulnerável (ver em cima). A OIT, a UNICEF e o PNUD estão a apoiar o Ministério da Família e da Inclusão Social na implementação de medidas ao nível técnico. Igualmente, as Nações Unidas irão transferir 4,300,000 dólares para apoio financeiro direto (4,000,000 US$ do PNUD e 300,000 US$ do GRC) para que as entidades governamentais tenham a capacidade de desembolsar transferências monetárias para redes de segurança (medida 1 e 2).
A segurança alimentar é também uma prioridade, especialmente, tendo em conta que Cabo Verde enfrenta uma crise de três anos seguidos de seca, e está dependente de 80% das importações para produtos alimentares. Neste sentido, a FAO está a reorientar o seu apoio para sistemas de agricultura e de pesca, a fim de melhorar a produção, a colheita e a distribuição alimentar, e de melhorar o stock de segurança alimentar. 1,3 milhões de dólares foram já destinados para este fim. Para além disso, o PNUD está a fornecer apoio direto à Fundação FICASE[3] com 150,000 dólares para contribuir para a entrega de refeições a 22,500 famílias, de entre as quais 30,000 são crianças.
Em termos de apoio à economia, as Nações Unidas estão a apoiar de forma temporária e permanente a criação de postos de trabalho através de diferentes meios, com um especial enfoque nos jovens e nas mulheres. O Plano de Ação do Programa Jovemprego para 2020 está totalmente orientado para o reforço da capacitação ambiental e para o fornecimento de apoio aos serviços económicos para melhorar o emprego jovem nestes tempos desafiantes. O PNUD está também a fornecer 700,000 dólares aos municípios para a criação temporária de postos de trabalho (reabilitação de ruas e de mercados e outros tipos de trabalhos públicos), a UN-Habitat implementa o mesmo tipo de apoio ao nível das comunidades, num valor total de 100,00 dólares.
A UNICEF, a UNESCO e o UNFPA apoiaram a conceção e a implementação do Plano do sector Educativo de Resposta através do Ministério da Educação, através de assistência técnica e com um apoio no valor de 1,000,000 dólares, fornecido pela Global Partnership for Education[4].
Em termos de Direitos Humanos, a ONUDC, a OIM, o UNFPA, e o EACDH estão a trabalhar com as respetivas contrapartidas nacionais, a fim de garantir que esta resposta abranja as populações mais vulneráveis (mulheres, crianças, pessoas de mobilidade reduzida, pessoas em situação de dependência de drogas, álcool ou outros, migrantes, etc.).
Finalmente, o Sistema das Nações Unidas está a promover soluções inovadoras e tecnológicas para impulsionar a resposta e a recuperação do país, tais como o aplicativo COMVIDA, desenvolvido pelo Accelerator Labs do PNUD, para comunicar sobre a COVID-19, ou até a plataforma de Crowdfunding, desenvolvida para mobilizar fundos de indivíduos dispostos a demonstrar a sua solidariedade com o país.
No total, o Sistema das Nações Unidas conseguiu mobilizar 3,000,000 dólares em fresh money para apoiar a resposta e a recuperação do país, e reorientar 9,000,000 dólares sobre os 13,344,000 dólares disponíveis, de acordo com o Plano Anual de 2020. A maior parte deste apoio representa um apoio direto às medidas do Governo, em dinheiro ou em espécie. Uma parte substancial está a ser implantada de uma forma complementar, para garantir que ninguém é deixado para trás, o que representa o princípio central dos ODS.
Relativamente aos ODS, recuperar o desenvolvimento socioeconómico percorrido até aqui, enquanto se reforça os sistemas de Saúde, será crítico nos próximos anos, após o fim desta profunda crise. O Sistema das Nações Unidas está a preparar este caminho, de acordo com os cinco pilares do enquadramento socioeconómico das Nações Unidas para a resposta e recuperação do país: 1 - assegurar que os serviços de saúde essenciais vão continuar disponíveis, e a proteção dos sistemas de saúde; apoiar as pessoas que estão a lidar com as adversidades, através da proteção social e de serviços básicos; 3. proteção de postos de trabalho, apoiar as pequenas e médias empresas, e os trabalhadores do sector informal através de uma resposta económica e de programas de recuperação; 4. orientar os surtos necessários do estímulo fiscal e financeiro, a fim de garantir o funcionamento de políticas macroeconómicas para os mais vulneráveis, e reforçar as respostas multilaterais e regionais; promover a coesão social e investir numa resiliência comunitária e em sistemas de resposta.
A COVID-19 e outros potenciais surtos pandémicos num futuro próximo estão a reformular o nosso mundo e o nosso desenvolvimento, e as Nações Unidas está na vanguarda desta batalha, através do apoio que presta aos Governos, da capacitação que fornece às pessoas para lidarem e se adaptarem a estas situações, e às sociedades para se tornarem mais resilientes e encontrarem um novo desenvolvimento a seguir, com vista aos Objetivos de Desenvolvimentos Sustentável.
[1] Fonte: FMI
[2] Fonte: Banco Mundial
[3] Fundação Cabo-verdiana de Ação Social Escola (pública), que fornece meios escolares pra crianças como necessidades